quarta-feira, 11 de maio de 2011

Vermelho, Denso e Íntimo ...

Estourada a bolsa e vertido o líquido amniótico, misturado com sangue por entre as pernas e as paredes pélvicas a se contrairem... Uma espécie de dor e êxtase a lhe percorrer ...
Primeiro as pernas... Depois os braços... O tronco... Para enfim a cabeça. Nascido... De um ventre denso,assim como todos os outros, expulso aquele corpo, para deixar de lado toda aquela intimidade imposta.
Uma estranha ânsia para o primeiro contato, no principio a repulsa, um cheiro de carne crua a possuir seus braços, aquele ser frágil e animalesco a principio, seria depois tomado pela cultura condicionante, cheia de receitas, regras e instruções pré-fabricadas , a principio padeceria ele sobres as alças de um bico... o suporte de um seio cheio de leite...
E heis que depois do ilustre nascimento, a vida e os seus delírios aportariam aquele ser. Sua mãe o nomeou Francisco (aquele que nasceu na França), assim como todas as coisas e seres no mundo depois de nomeadas, carregavam o peso dos seus significados, cabia também àquela criança o peso de seu signo, a sua marca, mas talvez ele fosse só mais um ser cultural e distraído.
Aos 2 anos o menino ainda não falava, não sorria, não chorava... apenas andava e observava as coisas em silêncio.
Aos 4 anos sua mãe trocou as roupas na sua frente, o que lhe causou certo desconcerto infantil e uma espécie de admiração divina, heis que nasce a musa... E brotam as suas primeiras palavras.
Seu pai o chamava Fracisco, o mudinho fracote, Sebastião era um homem simples e nescio da vida, acreditava que tudo se resolvia com agressividade e autoritarismo. Achava Francisco um retardado, de tão silencioso e inerte...
Desde cedo o menino fora calado e discreto nos atos, como se guardasse um grande segredo para si e no fundo ele nutria, pela mulher que o tinha dado a vida um bem querer íntimo e sinuoso,um sincretismo de sentimentos, regado a culpa e sonhos libidinosos.
Sua mãe não lhe nutria carinho, sempre ausente de sua postura materna andava pelas ruas e sarjetas a embriagar-se, frustrada pelas infelicidades de sua vida pulsante,achava que o filho era o grande culpado da sua existencia vazia,afinal ela o via e o sentia oco e inerme... Tão calado, parecia-lhe um retardado.Tardou a andar, tardou falar, tardou sem patologias... Tardou porque era um erro ela pensava, possuía um ar delicado, nem parecia um menino, e isso a atormentava cada vez que o observava, e para desaventurar-se daquele ser insuficiente, saía sempre, afim de não findar com as próprias mãos aquela vida tão inútil para ela.

Cresce o jovem sobre arcabouço de uma solidão plena e fértil, desvencilhado de algumas estruturas sócias ele começa a enxergar a sua história de outra forma, se preserva de fato, mas não deixa de evoluir, de crescer para fora de todas as lógicas, um selvagem suburbano descaído dos arquétipos sociais, feio e eterno para si, porque talvez ninguém nunca o quisesse...
Quando Francisco fez 26 anos tornara-se um homem arredio, com a delicadeza de uma mulher, o que repugnava sua mãe. Mas enquanto ela o desprezava ele à queria mais que a própria vida, desejava-a tão profundamente que para tê-la de alguma forma, escondido vestia suas roupas e imitava seus gestos. Prazer... O que sentia voluptuosamente quando as vestes tocavam o seu sexo.
Mas de tanto beber aquela mulher adoeceu, e como seu marido havia abandonado a casa por conta do seu vicio, o filho fez juz ao seu papel de homem apaixonado, cuidou da mãe. Via na situação a oportunidade para aproximar-se e confessar, e concretizar, e amar aquela mulher que o havia arrebatado desde cedo.
Assim passaram-se os dias e os dois aproximaram-se, a mãe mais frágil, comove-se com a dedicação tão extremada do filho e Francisco feliz e certo que já era hora de lhe falar dos seus sentires, pesares.... Cobrar-lhe um sacrifício materno, nunca ofertado.
As palavras quase não conseguiam sair, elas emergiam mudas e inacreditáveis, a mãe lia os lábios daquele homem e sentia o frêmito de dar a luz a uma criança, era como se ele nascesse enfim, da maneira mais pura que se pode nascer e de carne crua Francisco se fez fogo, um homem que não conseguiu resolver as idéias brotava como flor arrancada de sua terra...
E foi na alcova ainda bagunçada do amanhecer de sua mãe, depois de confessar-lhe em lágrimas todos os seus pesares, saiu dela um silêncio então, escutando todas aquelas lamurias e comovida com a paixão sentida pelo filho, despe-se com a fronte baixa, e com um beijo quente aquela velha mulher, feliz por perceber-se ainda desejada, traz para dentro de seu denso ser aquele jovem, que para si nunca havia-lhe dado tanto gosto, talvez nunca intimidade tão recíproca. E enquanto ele padecia nos braços maternais, ela o lembrava no momento do parto e o amava com compaixão e ternura...
Mas Francisca estava fraca e doente não suportando a entrega, a sua Primeira e Ultima, entrega plena,e heis que depois de vermelhecidos... Saciados... E íntimos... Morre a mulher já fraca, mas feliz por ter por nos últimos momentos de vida cumprido a sua saga maternal.

Amanda Braga

4 comentários:

...loucos apontamentos disse...

Sem palavras.

Amanda disse...

Diga ai o que achou? monstruoso foi?!

Washington Machado disse...

Ousar é ultrapassar as barreiras do indizível, do inaudito e inefável... Eis o conto! A INTIMIDADE do grotesco desnudada. O segredo inconfidente de uma paixão sanguínea, VERMELHA e incestuosa. É o conflito do velho Édipo DENSAMENTE presente no cotidiano das vítimas atuais. Excelente história! Uma literatura psicanalista! Bravo... Aplausos... Muito bom!

Alison Clayton disse...

Vindo da namorada de Washington, não esperava que fosse menos poético que o magnifico que escreves. Não q suas palavras dependam dele (talvez sim, não é de minha alçada), mas peço permissão para interligar o teu blog, com um link, como fiz com o dele.

Agradeço!